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LGPD e Código Civil: Atenção ao consentimento no World ID

Atualizado em , por devm.

LGPD e Código Civil divergem no caso do World ID, que escaneia íris por criptomoedas, levantando questões sobre consentimento e proteção de dados.

World ID: Inovação e polêmica na economia de dados

A ascensão da economia de dados trouxe ao cenário global iniciativas como o World ID, um projeto da Tools for Humanity que promete revolucionar a identificação digital. Lançado com a proposta de oferecer uma identidade universal por meio do escaneamento de íris, o sistema recompensa os participantes com criptomoedas. No entanto, desde sua introdução, em 2023, a iniciativa tem gerado intensos debates, especialmente no Brasil, onde as normas da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e do Código Civil entram em choque no que diz respeito ao conceito de consentimento e à proteção de dados pessoais.

O World ID opera com o dispositivo Orb, que realiza a leitura biométrica da íris para criar um código único, vinculado a uma carteira digital. Em troca, os usuários recebem tokens da criptomoeda Worldcoin. Até março de 2025, mais de 5 milhões de pessoas em diversos países, incluindo o Brasil, aderiram ao projeto. Contudo, a promessa de inclusão financeira e inovação tecnológica é ofuscada por questionamentos éticos e legais, especialmente no contexto do caso do World ID, que desafia as estruturas jurídicas brasileiras.

O Papel da LGPD na Proteção de Dados

A LGPD, instituída pela Lei nº 13.709/2018, estabelece um marco na regulamentação do tratamento de dados pessoais no Brasil. Seu principal objetivo é garantir a privacidade e a autonomia dos indivíduos sobre suas informações, exigindo que o consentimento seja livre, informado e inequívoco. No contexto do World ID, a coleta de dados biométricos — considerados sensíveis pela legislação — exige um nível ainda maior de cuidado. Assim, a norma determina que o titular dos dados deve compreender claramente as finalidades do tratamento e os riscos envolvidos.

No entanto, a aplicação prática da LGPD ao caso do World ID revela fragilidades. Especialistas apontam que o modelo de consentimento oferecido pelo projeto pode não atender aos padrões exigidos. Por exemplo, o incentivo financeiro — a entrega de criptomoedas — pode comprometer a liberdade do consentimento, configurando uma relação assimétrica entre a empresa e o usuário. Além disso, a falta de transparência sobre o armazenamento e o uso futuro dos dados biométricos levanta preocupações adicionais, colocando a LGPD como um instrumento central na análise do caso.

Código Civil e a Perspectiva Contratual

Por outro lado, o Código Civil aborda o consentimento sob a ótica das relações contratuais, com foco na autonomia da vontade e na validade dos acordos privados. Nos artigos 421 e 422, a legislação destaca que os contratos devem respeitar a boa-fé e a função social, mas não impõe os mesmos rigores da LGPD quanto ao tratamento de dados. No caso do World ID, o ato de ceder dados biométricos em troca de criptomoedas pode ser interpretado como um contrato de adesão, no qual o usuário aceita os termos predefinidos pela Tools for Humanity.

Essa visão contratual, porém, entra em conflito com a LGPD. Enquanto o Código Civil presume a validade do consentimento com base na manifestação de vontade, a LGPD exige que ele seja específico e desvinculado de pressões externas, como benefícios econômicos. Assim, surge uma “vida dupla” do consentimento: de um lado, um acordo civil aparentemente legítimo; de outro, uma possível violação das normas de proteção de dados, evidenciando a necessidade de harmonização entre os dois regimes jurídicos.

Os Desafios do Consentimento no World ID

O caso do World ID expõe um dilema central: o consentimento dado pelos usuários é genuinamente livre? A oferta de criptomoedas, especialmente em países com alta vulnerabilidade econômica como o Brasil, pode ser vista como uma forma de coerção velada. Estudos recentes mostram que, em 2024, mais de 300 mil brasileiros aderiram ao World ID, muitos deles motivados pela crise econômica e pela promessa de renda extra. Esse cenário levanta dúvidas sobre a validade do consentimento sob a perspectiva da LGPD, que prioriza a proteção do titular dos dados.

Além disso, a natureza irreversível dos dados biométricos agrava o problema. Diferentemente de senhas ou endereços, a íris não pode ser alterada em caso de vazamento. Especialistas em segurança cibernética alertam que o armazenamento centralizado dessas informações pela Tools for Humanity representa um risco significativo, especialmente diante de precedentes como o ataque hacker à empresa em 2024, que expôs dados de milhares de usuários na Argentina. Assim, o consentimento, mesmo que formalmente obtido, pode não refletir uma escolha plenamente consciente.

Impactos no Brasil e a Resposta Jurídica

No Brasil, o caso do World ID já mobiliza autoridades e juristas. Em janeiro de 2025, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) abriu uma investigação para avaliar se o projeto viola a LGPD. A análise preliminar sugere que a falta de clareza nos termos de uso e a ausência de uma política robusta de descarte de dados podem configurar infrações graves. Caso confirmadas, as penalidades podem chegar a 2% do faturamento anual da Tools for Humanity no país, limitada a R$ 50 milhões por infração.

Paralelamente, ações judiciais baseadas no Código Civil começam a surgir. Consumidores alegam que o contrato com o World ID fere a boa-fé objetiva, prevista no artigo 422, ao não garantir segurança adequada aos dados cedidos. Essas disputas evidenciam a tensão entre os dois arcabouços legais e a dificuldade de aplicá-los a modelos de negócios inovadores, como os baseados em blockchain e biometria.

A Economia de Dados e o Futuro da Privacidade

A expansão da economia de dados, exemplificada pelo World ID, reflete uma tendência global: a monetização de informações pessoais. Estima-se que, até 2030, esse mercado movimente mais de US$ 1 trilhão anualmente, segundo relatório da consultoria McKinsey. Nesse contexto, iniciativas como o World ID são apenas a ponta do iceberg. Empresas de tecnologia, governos e organizações privadas disputam o controle de dados, enquanto os indivíduos lutam para preservar sua privacidade.

No Brasil, a harmonização entre a LGPD e o Código Civil será crucial para enfrentar esses desafios. Juristas defendem a criação de uma jurisprudência específica para casos como o World ID, que combine a proteção de dados com os princípios contratuais. Além disso, a educação digital emerges como uma ferramenta essencial para capacitar os cidadãos a tomarem decisões informadas sobre o uso de suas informações pessoais.

O caso do World ID é um divisor de águas na discussão sobre privacidade e consentimento no Brasil. Enquanto a LGPD busca proteger os titulares de dados em um mundo hiperconectado, o Código Civil reflete uma visão tradicional de autonomia contratual. À medida que a economia de dados avança, a resolução desse conflito jurídico determinará como o país lidará com tecnologias emergentes. Por ora, o debate segue aberto, desafiando legisladores, empresas e cidadãos a encontrarem um equilíbrio entre inovação e proteção.

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Fonte: Internet

Publicado em , por devm.